segunda-feira, 18 de fevereiro de 2013

A História da eutanásia moderna.



A morte sob supervisão médica na Alemanha nazista. Imagem: Iba Mendes. http://www.ibamendes.com/2010/09/eu-li-isso_05.html


Se o homem perder a vontade de respeitar algum aspecto da vida, ele perderá a vontade de respeitar a vida por completo.
Dr. Albert Schweitzer.[1]

A maioria das pessoas que apóia a idéia da “eutanásia voluntária” acha que o que se quer fazer é apenas acabar com as dores insuportáveis de alguém que já está morrendo. Aliás, algumas organizações de eutanásia parecem ter sido fundadas com esse objetivo. Mas se desejamos entender o moderno movimento pró-eutanásia, suas origens e conseqüências, precisamos conhecer um pouco de seu nascimento.

O movimento pró-eutanásia surgiu na Inglaterra, por volta de 1900, com base nas teorias de Charles Darwin de que os fracos devem morrer e de que só os mais fortes são dignos de viver. Darwin cria que o ser humano é apenas um animal evoluído que veio do macaco. A teoria da evolução foi o fator mais importante por trás das campanhas inglesas que mostravam que, para muitas pessoas, não valia a pena continuar vivendo ou que suas vidas eram apenas uma carga para si mesmas e para os familiares. Muitos ingleses que apoiaram a eutanásia no começo acreditavam que o objetivo era acabar com o sofrimento inútil. Mas logo ficou claro que o objetivo era acabar com as pessoas inúteis.

As raízes do nazismo
Então em 1922 na Alemanha, muito antes de o nazismo começar seu avanço, o jurista Karl Binding e o psiquiatra Alfred Hoche escreveram Legalizando a Destruição da Vida Sem Valor. Esse livro tentava provar que o sustento das pessoas inúteis causava despesas pesadas para o governo e para as famílias e recomendava a eutanásia para os deficientes físicos e mentais.

Nessa época respeitados homens da classe médica, jurídica e psiquiátrica começaram a aceitar a idéia de que a eutanásia era uma opção compassiva de eliminar os que, de acordo com a ética deles, tinham uma vida que não produzia nada. Eles foram influenciados por opiniões que diziam que uma morte apressada seria de grande benefício para pacientes em certas categorias. Os médicos alemães, que eram considerados os mais avançados do mundo, começaram a promover a noção de que o médico deveria ajudar seus pacientes a morrer. A elite da classe médica defendiasterbehilfe, que em alemão significa “ajuda para morrer”, para os doentes incuráveis e isso era considerado wohltat, um ato misericordioso.
[2]

O começo da eutanásia nazista

Ao mesmo tempo, as leis alemãs passaram a permitir uma prática que decisivamente conduz à eutanásia: o aborto médico. Sob a ditadura nazista, a Alemanha foi o primeiro país europeu a legalizar o aborto. A nível mundial, a Rússia comunista foi o primeiro e a Alemanha o segundo. O Código Penal Alemão de 1933 diz:

O médico pode interromper a gravidez quando ela ameaça a vida ou a saúde da mãe e ele pode matar um bebê (na barriga da mãe) que tem probabilidade de apresentar defeitos hereditários e transmissíveis.[3]

O primeiro caso de prática da eutanásia na Alemanha foi o de um recém-nascido cego e deformado. O próprio pai pediu que seu filho deficiente fosse morto, pois ele achava que uma vida com graves deficiências físicas não tinha sentido. A triste condição física do bebê foi amplamente divulgada pela imprensa. E muitos, aproveitando a oportunidade, fizeram campanhas para ganhar o apoio do público para a eutanásia. Em resposta a essas campanhas, Adolf Hitler autorizou um médico a dar uma injeção letal no bebê. Esse caso passou a ser usado, com a colaboração de alguns pediatras, para matar todos os recém-nascidos que tinham algum defeito. Logo os doentes mentais de todas as idades foram colocados na categoria de pessoas com vida inútil, e assim 275 mil pacientes alemães com doenças mentais acabaram sendo cruelmente mortos.

Em 1935, o Dr. Arthur Guett, Ministro da Saúde no governo nazista, disse:

Temos de acabar com o conceito enganoso de “amor ao próximo”, principalmente com relação às pessoas inferiores e aos que não têm uma vida social normal. É o supremo dever do governo dar vida e meios de sobreviver somente para os que são saudáveis…[4]

Por longo tempo, as execuções foram mantidas em segredo do povo por um sofisticado sistema de acobertamento. Tudo ocorria de forma rotineira e profissional: os especialistas em psiquiatria aprovavam os que deveriam ser sentenciados à morte e o governo cuidava do resto. Basta mencionar que a única coisa que o povo sabia era que os pacientes eram transportados para a Fundação de Caridade para a Assistência Institucional, e não mais voltavam. Na verdade, eles eram levados para câmaras de gás. A primeira câmara desse tipo foi projetada por professores de psiquiatria de 12 importantes universidades alemãs.[5] Os pacientes eram mortos com gás ou injeção letal na presença de especialistas médicos, enfermeiras e psiquiatras.[6]

O programa de eutanásia havia se tornado tão normal que os especialistas não viam mal algum em participar. O Prof. Julius Hallervordern, famoso neuropatologista (tão conhecido que determinada doença do cérebro leva seu nome: a doença de Hallervordern-Spatz) solicitou ao escritório central do programa o envio de cérebros de vítimas de eutanásia para seus estudos microscópicos. Enquanto as vitimas ainda estavam vivas, ele dava instruções sobre como os cérebros deveriam ser removidos, preservados e mandados para ele. Ao todo ele obteve das instituições psiquiátricas de eutanásia mais de 600 cérebros de adultos e crianças.
[7]

As autoridades afirmavam manter o programa de eutanásia por puras motivações humanitárias e sociais. Inicialmente só os alemães tinham o “privilégio” de pedir ajuda médica para morrer, porque o governo alemão não queria conceder esse ato de “compaixão” para os judeus, que eram desprezados. É importante observar que os médicos alemães eram convidados, não forçados, a participar desse programa. Os médicos jamais recebiam ordens de matar pacientes psiquiátricos e crianças deficientes. Eles recebiam autoridade para fazer isso, e cumpriam sua tarefa sem protesto, muitas vezes por iniciativa própria.[8] Sua classe e literatura os havia condicionado a ver tudo como normal.

Em setembro de 1939, entrou em vigor a Ordem de Eutanásia de Hitler para toda a sociedade alemã:

A autoridade dos médicos é aumentada para incluir a responsabilidade de aplicar uma morte misericordiosa às pessoas que não têm cura.[9]

E em 1940 uma lei foi proposta que dizia:


Qualquer paciente que esteja sofrendo de uma doença incurável que leve à forte debilitação de si mesmo ou de outros pode, mediante pedido explícito e com a permissão de um médico especificamente nomeado, receber ajuda para morrer (sterbehilfe) de um médico.[10]

Pouco tempo depois foram considerados inúteis não só os doentes, os “indesejados sociais” e os opositores políticos, mas também pessoas de outras raças e religiões. E assim começou o Holocausto de 6 milhões de judeus, com suas tristes conseqüências até hoje.
Logo que a 2 Guerra Mundial terminou, o programa de eutanásia legal da Alemanha nazista se tornou conhecido no mundo inteiro. Foram reveladas tantas atrocidades que os grupos pró-eutanásia no resto do mundo foram obrigados a parar suas campanhas e atividades.

A História se repete…

Contudo, anos depois, quando muitos dos horrores do nazismo foram esquecidos, esses grupos voltaram a trabalhar, com novas estratégias, para defender e legalizar o que eles chamam de “o direito de morrer”. Em 1972, o Dr. Philip Handler, presidente da Academia Nacional de Ciências dos EUA, declarou que já era hora de o governo elaborar uma política nacional para eliminar os recém-nascidos defeituosos[11].

Em 1973, os EUA legalizaram o aborto, cuja prática hoje é permitida, por qualquer mãe americana que quiser, até o momento do nascimento da criança. Anualmente, são realizados mais de 1 milhão de abortos nos hospitais e clínicas americanas. No mesmo ano em que o aborto foi legalizado, um famoso pediatra revelou que 14% das mortes de recém-nascidos no Hospital Yale-New Haven eram causadas deliberadamente.

Em 1977, a maioria dos cirurgiões pediátricos, respondendo a uma pesquisa, disseram que não fariam nada para salvar a vida de uma criança deficiente. E em 1982, num caso noticiado amplamente pela imprensa americana, um hospital de Bloomington permitiu deliberadamente, com a aprovação dos pais, médicos e juizes, que um menino recém-nascido com a síndrome de Down não recebesse alimento nem água.[12]

O bebê, que nasceu em 9 de abril de 1982, tinha dois problemas físicos: a síndrome de Down e um esôfago mal formado que impedia o alimento de chegar até o estômago. Embora não fosse possível corrigir medicamente o primeiro problema, poderia-se resolver facilmente o segundo com uma cirurgia de baixo risco que ligaria o esôfago ao estômago. Mas os pais não deram permissão para o bebê ser operado nem permitiram que ele recebesse alimentação intravenosa. Dezenas de casais se ofereceram para adotar e ajudar a criança, porém os pais rejeitaram essa assistência. No berço do bebê foi colocado um aviso para as enfermeiras: “Não o alimente”. Dois dias depois os ácidos de seu estômago começaram a lhe corroer os pulmões e a criança começou a cuspir sangue. Quando as enfermeiras ameaçaram abandonar o hospital em protesto contra essa situação, o bebê foi transferido. Levou seis dias para ele dar o último suspiro, e ele chorou incontrolavelmente durante seus últimos quatro dias de vida. A pediatra Dr.ª Anne Bannon diz o que aconteceu:

O corpinho fino e encolhido do bebê Doe estava deitado passivamente nos lençóis do hospital. Extremamente desidratado e com a pele seca e cianótica, ele respirava de modo fraco e irregular. De sua boca seca demais para fechar estava escorrendo sangue…[13]

Na mesma época em que os médicos estavam deixando o bebê Doe morrer de fome, em Maryland um veterinário foi multado em 3.000 dólares por deixar um cachorro morrer de fome. Sua licença foi suspensa por seis dias.[14]

Um bebê não deveria merecer mais valor do que um cachorro? Margaret Mead declara:

A sociedade está sempre tentando transformar os médicos em assassinos — matando a criança deficiente no nascimento, deixando comprimidos de dormir ao lado da cama do paciente de câncer... É o dever da sociedade proteger os médicos de tais pedidos.[15]

A idéia de que há tipos de vida que não são dignas de viver é a grande responsável pela propagação da moderna eutanásia, principalmente o ato de matar de fome e sede pacientes de hospitais. O menino com a síndrome de Down, por exemplo, teve de morrer porque os pais, o pediatra e o juiz achavam que ele precisava preencher as mínimas condições necessárias de qualidade de vida para ter o direito de continuar existindo.

No passado, a permissão legal de matar um bebê cego e deformado abriu o caminho para a eutanásia se tornar uma prática comum na Alemanha nazista. Hoje nos EUA e em outros países avançados os cientistas médicos usam em suas experiências bebês que nascem vivos de abortos legais. Esses bebês não são considerados nem tratados como seres humanos. E agora há os casos de recém-nascidos deficientes que são deliberadamente assassinados. Tudo como conseqüência direta da legalização do aborto. Essa indiferença para com a vida humana está começando a inclinar os países desenvolvidos a ver com bons olhos o ato médico de apressar a morte de doentes em coma ou depressão.

O Dr. Franklin E. Payne Jr, médico particular e professor universitário na área da medicina, diz
O aborto se tornou o procedimento cirúrgico mais comum nos Estados Unidos. A aceitação do aborto foi a primeira mudança importante na ética médica que levou às crueldades da Alemanha nazista. Mais tarde, “apelos em favor da eutanásia começaram a aparecer mais freqüentemente nos artigos e livros escritos por médicos”.[16]

No Canadá, o mesmo médico pioneiro na legalização do aborto agora luta para legalizar a eutanásia.[17] Ativistas homossexuais também entraram nessa luta.[18] O Dr. Brian Clowes, autor da famosa Pro-Life Activist’s Encyclopedia nos EUA, diz: “A eutanásia segue o aborto tão certamente quanto a noite segue o dia”. [19] Seria de estranhar o fato de que todos os líderes pró-eutanásia nos EUA e na Europa trabalharam ativamente para a legalização do aborto em seus países? Nick Thimmesch escreveu na revista Newsweek que os mesmos indivíduos que lutaram para legalizar o aborto agora fazem campanhas para permitir a eliminação de pessoas adultas. Ele disse: “Incomoda-me o fato de que os eugenicistas na Alemanha organizaram a destruição em massa de pacientes mentais, e nos Estados Unidos os indivíduos a favor do aborto agora também trabalham em organizações que promovem a eutanásia”. [20]

O médico que hoje aceita matar uma criança inocente na barriga da mãe, amanhã aceitará matar adultos idosos ou doentes.

© Copyright 2004 Julio Severo. Proibida a reprodução deste artigo sem a autorização expressa de seu autor. Julio Severo é autor do livro O Movimento Homossexual, publicado pela Editora Betânia. www.juliosevero.com.br

[1] Veja o capítulo 106 de: Dr. Brian Clowes, The Pro-Life Activist’s Encyclopedia. Pro-Life Library CD-Rom. Ó 2000 Human Life International.

[2]J. C. Willke, Assisted Suicide & Euthanasia (Hayes Publishing Co.: Cincinnati-EUA, 1998), p. 6.

[3]Dr. & Mrs. J. C. Willke, Abortion: Questions & Answers (Hayes Publishing Company, Inc.: Cincinnati-EUA, 1990), p. 193.

[4]Citado em Dr. Paul Marx, And Now… Euthanasia (Human Life International: Washington, D.C., EUA, 1985), p. 70.

[5]Dr. & Mrs. J. C. Willke, Abortion: Questions & Answers (Hayes Publishing Company, Inc.: Cincinnati-EUA, 1990), p. 229.

[6]Os especialistas envolvidos no programa de eutanásia eram tão importantes e famosos que até hoje seus nomes são mencionados na literatura psiquiátrica, médica e jurídica internacional. Ver J. C. Willke, Assisted Suicide & Euthanasia (Hayes Publishing Co.: Cincinnati-EUA, 1998), p. 37.

[7]J. C. Willke, Assisted Suicide & Euthanasia (Hayes Publishing Co.: Cincinnati-EUA, 1998), p. 47.

[8]J. C. Willke, Assisted Suicide & Euthanasia (Hayes Publishing Co.: Cincinnati-EUA, 1998), pp. 8,9.

[9]Dr. & Mrs. J. C. Willke, Abortion: Questions & Answers (Hayes Publishing Company, Inc.: Cincinnati-EUA, 1990), p. 193.

[10]J. C. Willke, Assisted Suicide & Euthanasia (Hayes Publishing Co.: Cincinnati-EUA, 1998), p. 10.

[11]Dr. Paul Marx, And Now… Euthanasia (HLI: Washington DC, 1985), p. 71.

[12]John Whitehead, Arresting Abortion (Crossway Books: Westchester-EUA, 1985), p. 4.

[13]William Brennan, Dehumanizing the Vulnerable (Loyola University Press: Chicago-EUA, 1995), p. 36.

[14] Senador Jeremiah Denton, em discurso sobre a Resolução 101 do Senado americano. Congressional Record, 97th Congress, 2nd Session, Volume 128, Nº 66, maio de 26, 1982, pp. S6143-S6145. Citado no capítulo 110 de: Dr. Brian Clowes, The Pro-Life Activist’s Encyclopedia. Pro-Life Library CD-Rom. Ó 2000 Human Life International.
[15] Citado no capítulo 112 de: Dr. Brian Clowes, The Pro-Life Activist’s Encyclopedia. Pro-Life Library CD-Rom. Ó 2000 Human Life International.

[16] Franklin E. Payne Jr, Biblical/Ethical Medics (Mott Media Inc: Milford, EUA,1985), p. 3.

[17] Morgentaler To Campaign For Euthanasia, Lifesite Daily News, 26 de janeiro de 1998, Toronto, Canadá.
[18] House Of Commons Debates Euthanasia, Lifesite Daily News, 5 de fevereiro de 1998, Toronto, Canadá.
[19] Citado no capítulo 106 de: Dr. Brian Clowes, The Pro-Life Activist’s Encyclopedia. Pro-Life Library CD-Rom. Ó 2000 Human Life International.
[20] Citado no capítulo 110 de: Dr. Brian Clowes, The Pro-Life Activist’s Encyclopedia. Pro-Life Library CD-Rom. Ó 2000 Human Life International.


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